Como todo estudioso e/ou entusista de literatura bem sabe, é raro que as minorias sejam representadas literariamente – e, quando o são, tendem a sê-lo de maneira estereotipada ou pejorativa.
Mas a boa notícia é que mulheres, negros e homossexuais, entre outros, têm se esforçado para mudar esse cenário e para conquistar um papel de destaque na arte literária, e tudo indica que isso não vai demorar muito para acontecer.
Selecionamos aqui 10 livros cujos enredos giram em torno de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, com o mínimo de estereótipos e objetificação.
Afinidade, suspense psicológico escrito pela inglesa Sarah Waters, se passa na célebre – e ligeiramente sinistra, admitamos – Era Vitoriana, e tem como protagonista a insegura, rica e melancólica Margaret Prior.
Após uma desilusão amorosa seguida de uma tentativa fracassada de suicídio, Miss Prior passa a fazer uma espécie de trabalho voluntário em uma prisão feminina, na qual entra em contato com Selina Dawes, uma das detentas, com quem se envolve.
Narrado alternadamente por ambas as jovens, a história expressa o desespero decorrente das circunstâncias opressivas em que viviam as mulheres naquele período histórico.
Não sendo exatamente um livro de terror, Afinidade é a opção ideal para todos os leitores que apreciam enredos repletos de mistério, erotismo e um pânico sutil, e que não temem sentir-se estranhamente desconfortáveis ao fim de uma leitura.
Delicado, poético e nostálgico como todos os livros do magnífico Yasunari Kawabata, escritor japonês vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1968, Beleza e Tristeza exige uma leitura atenta e concentrada.
No centro do romance encontra-se Otoko, uma artista talentosa que, anos atrás, quando ainda era uma menina de dezesseis anos, viveu um romance conturbado com um escritor casado.
Após o nascimento e a morte de um bebê prematuro, Otoko tenta se matar e é internada em um hospital psiquiátrico. Ao fim desse período, muda de cidade com a mãe e se afasta do amante. Este lança um novo livro, sua obra-prima, que retrata o romance malfadado.
Cerca de vinte anos depois da publicação do romance A Menina de Dezesseis Anos, Otoko vive com sua aprendiz e amante, a inescrupulosa e desequilibrada Keiko, mas permanece incapaz de esquecer o homem que alterou o curso de sua vida. Um encontro entre os dois desencadeia uma série de eventos que nenhum dos dois poderia prever, e que evidenciam o quão frágil é a linha entre o amor e o ódio, a compaixão e a vingança.
O romance de Sheridan Le Fanu, publicado em 1872, foi um marco na literatura e serviu de inspiração para centenas de narrativas vampirescas, entre as quais podemos destacar o Drácula de Bram Stoker.
O livro é escrito em forma de manuscrito, tendo como narradora uma jovem que passou muito perto de ter se tornado vítima de Carmilla, uma vampira de beleza extraordinária com manifestações um tanto excêntricas – e claramente amorosas – em relação às suas presas.
Há no relacionamento entre Laura e Carmilla um lesbianismo latente muito ousado para os rígidos padrões morais da Inglaterra vitoriana. Laura mesma admite estar consciente de um amor que se intensificava até a adoração, mas também de algo aversivo que ainda era incapaz de compreender inteiramente:
Para aqueles que procuram um romance delicado, aterrorizante e não muito longo (cerca de cem páginas), trata-se da opção ideal.
No livro A Rainha da Moda, em que traça a instigante trajetória de Maria Antonieta “dos salões dourados de Versalhes aos degraus salpicados de sangue da guilhotina”, a literata Caroline Weber afirma que uma das acusações que mais pesaram sobre a rainha durante o período revolucionário fora o seu suposto lesbianismo – apelidado, em referência à sua origem austríaca, de vício alemão.
Em O Adeus à Rainha, a escritora Chantal Thomas narra, a partir do olhar de uma jovem serviçal de Versalhes – ela própria claramente atraída pela rainha –, a relação entre esta e sua favorita, Gabrielle de Polignac.
Delicado, instigante e melancólico, trata-se de um excelente livro para todos aqueles que nutrem algum interesse pela história da Revolução Francesa. Fora isso, deu origem a um ótimo filme com Léa Seydoux e Diane Kruger.
Na Ponta dos Dedos é mais um dos excelentes livros vitorianos de Sarah Waters – e eu, particularmente, gosto ainda mais deste do que de Afinidade.
O título original, Fingersmith, faz referência à “profissão” da protagonista, uma ladra de segunda categoria que recebe uma proposta irresistível por parte de Dick Rivers, sedutor barato que tenciona desposar uma herdeira milionária. Sue, a quem cabe parte da narrativa da história, deveria tornar-se dama de companhia da garota – que reside com o tio, um homem excêntrico e abusivo, em uma imensa propriedade no interior – e convencê-la a casar-se com Rivers. Assim que o casamento se concretizasse e o dinheiro da esposa estivesse seguro em suas mãos, o vilão a encerraria em um sanatório e cederia uma parte do lucro a Sue.
Ao conhecer Maud Lilly, no entanto, Sue apaixona-se loucamente por ela. Inicia-se então uma história repleta de enganos, violências e plot twists, na qual ninguém é inteiramente inocente e ninguém é inteiramente perverso.
Ambientado na Inglaterra do início do século XX, Maurice é um jovem burguês com ares aristocráticos que consegue ser ao mesmo tempo conservador e subversivo. Maurice, não fossem suas preferências sexuais – consideradas criminosas no período, sendo passíveis de levar um homem à cadeia –, seria o perfeito jovem e elegante londrino.
Os seus relacionamentos íntimos com a família, com os homens por quem se apaixona e consigo mesmo são explorados de maneira interessante e inusitada por E.M. Forster, ele mesmo homossexual.
Um dos pontos mais fortes desse livro, que é sem dúvida um dos meus preferidos dessa lista, é a evolução de Maurice como personagem. Descrito pelo narrador como um homem que possuía a “inabilidade britânica para conceber a diversidade”, considerando a sua própria situação algo abominável, Maurice passa a aceitar que todo tipo de amor é o mesmo, podendo ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal.
Outro ponto forte? O estilo narrativo impecável de Forster, visível em trechos como este:
Considerada “a maior carta de amor da literatura”, Orlando foi dedicado por Woolf à sua amante, Vita Sackville-West, eternizada na figura de Orlando.
Este, um nobre endinheirado, belíssimo e imortal, com pretensões literárias e um escasso autoconhecimento, vive por mais de trezentos anos. Tendo nascido homem, torna-se, em torno dos trinta anos de idade, mulher.
Ao contrário do que se poderia esperar, Woolf não discute longamente a questão da troca misteriosa de sexo. Orlando não questiona a misteriosa mudança, aceitando-a como algo inevitável, ainda que ligeiramente desagradável:
As diferenças fundamentais entre o sexo masculino e o sexo feminino – ou a ausência de diferenças – são devidamente discutidas por Woolf; Orlando, ao transformar-se em uma mulher, não perde nenhuma de suas características pessoais, permanecendo exatamente como sempre tinha sido. “A mudança do sexo, embora alterasse seu futuro, nada fez para alterar sua identidade“, afirma o narrador.
Para todos aqueles que se interessam por esse tema, Orlando é um dos melhores livros possíveis.
Madeleine de Maupin, a protagonista de Mademoiselle de Maupin, é uma jovem bonita, rica e solitária, cercada de admiradores, que decide vestir-se de homem a fim de conhecer melhor ao sexo masculino e escolher um bom marido.
O problema? Ao assumir o nome de Théodore e envolver-se em numerosos escândalos e duelos, Madeleine não demora para perceber que, de certa maneira, o estilo de vida que a sociedade francesa de sua época reservava aos homens era muito mais conveniente ao seu temperamento do que a existência entediante que se esperava que as donzelas, como ela, levassem. Em uma carta a uma amiga, afirma:
Antecipando de maneira genial uma ideia que só tomaria forma de fato em nossa época, Théophile Gautier parte do pressuposto de que o sexo da alma nem sempre corresponde ao sexo do corpo. Madeleine de Maupin, que sente-se atraída e apaixonada por mulheres e por homens durante a sua trajetória, afirma possuir “características físicas femininas, mas uma mente masculina”.
A imensa e surpreendente modernidade de Mademoiselle de Maupin é evidente ao longo do romance. O triângulo amoroso entre Madeleine, tranvestida como Théodore, o entediado aristocrata d’Albert e a dissoluta Rosette, amante deste, é capaz de suscitar as mais interessantes discussões a respeito do contraste entre os sexos. Declara Madeleine:
Você já leu a Ilíada?
Se tiver lido, deve ter percebido que o relacionamento entre Aquiles e Pátroclo, melhores amigos, parentes distantes e camaradas de armas, aparenta envolver sentimentos muito mais profundos do que a mera amizade – ainda que não haja nenhuma descrição explícita.
A Ilíada, que possui como foco a cólera de Aquiles após a humilhação que sofre nas mãos de Agamêmnon, rei de Micenas e chefe dos exércitos gregos, concentra-se no pesar e sede de vingança que tomam o herói após a morte de Pátroclo, mencionando apenas com certa brevidade a maneira como ambos se conheceram e o desenrolar de sua amizade/romance.
Este relacionamento é justamente o principal assunto do livro A Canção de Aquiles, da escritora americana Madeline Miller, que narra em detalhes a história desses dois valorosos heróis. Uma leitura doce e por vezes ligeiramente melancólica, é uma recomendação muito forte.
Escrever uma lista de livros lésbicos sem incluir Minha Querida Sputnik, do escritor japonês Haruki Murakami, fenômeno de vendas mundo afora, não seria uma boa ideia.
Como em boa parte dos livros de Murakami, temos um narrador solitário e um elenco de personagens desolados e atônitos, entre os quais Sumire – a jovem que desejava ser “fria, selvagem e devassa como uma personagem de Kerouac”, por quem o narrador encontra-se apaixonado – e a sofisticada Miu, uma mulher mais velha e madura por quem Sumire apaixona-se perdidamente.
Com uma escrita prazerosa e dotada de elementos fantásticos, Minha Querida Sputnik é um livro essencial para qualquer amante de literatura.
Lembram-se do que eu disse no início desse texto? Que essa lista conteria somente livros desprovidos de estereótipos e de objetificações?
Vamos abrir uma exceção, e eis a razão: Kiss Him, Not Me!, a série de mangá que originou um anime no final de 2016, é divertidíssima e, por incrível que pareça, consegue não ser particularmente ofensiva.
A protagonista, uma colegial bastante acima do peso que é obcecada por relacionamentos amorosos entre homens, torna-se esbelta e atraente da noite para o dia – isto é, após uma semana em luto pela morte de um personagem de anime a quem venerava – e conquista a afeição de quatro lindos colegas de sala, com personalidades tão estereotipadas quanto a dela (o loiro bonito e indelicado, o cara legal, o cara mais velho e o baixinho irritadiço). O problema? Ela não consegue escolher entre eles, pelo simples fato de que os considera muito mais atraentes ao lado uns dos outros do que ao seu lado.
Muitos problemas podem ser apontados em Kiss Him, Not Me!, a começar pela tendência da protagonista a objetificar relações homoeróticas e pelo próprio fato de que ela própria só passou a chamar a atenção de seus pretendentes depois de emagrecer – mas ninguém, ninguém mesmo, poderá dizer que a série é desprovida de senso de humor.
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