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Émilie du Châtelet sobre a felicidade

Émilie du Châtelet foi de fato uma mulher notável. Inteligente, culta e sofisticada, foi um grande prodígio matemático e uma filósofa com fortes tendências epicuristas. A sua ideia de felicidade – que figura no ensaio A arte da felicidade, publicado em 1748 – exigia, por exemplo, a “satisfação de todo os prazeres“. Entre seus amantes, figura o célebre Voltaire, com quem teve um longo e proveitoso relacionamento.

Muitas críticas podem ser feitas ao trabalho de Madame du Châtelet. Podemos dizer que se trata de uma filosofia elitista, cujos princípios podem ser seguidos apenas por aqueles que pertencem à classe social da própria filósofa.

No entanto, a curiosidade histórica exige que entremos em contato com diversos pontos de vista. Essa semana vamos examinar Madame du Châtelet, e semana que vem podemos falar de Rosa Luxemburgo ou de Flora Tristan…

Tudo o que não falta, afinal, são mulheres inteligentes com obras magníficas.

Madame, a vasta maioria dos filósofos dedicou-se a escrever tratados sobre a felicidade – as suas propriedades, as suas características e como obtê-la… Isso deve significar que é difícil ser feliz.

Acredita-se comumente que é difícil ser feliz, e tem-se razão mais que suficiente para crê-lo. Só percebemos com toda a clareza o meio de sermos felizes quando a idade e os muitos entraves que nos conferimos opõem-lhes obstáculos.

A sua visão de felicidade é, por exemplo, bastante diferente da dos estoicos, como Sêneca e Cícero. A senhoria poderia esclarecê-la? 

Creio que, para ser feliz, é preciso desfazer-se dos preconceitos, ser virtuoso, ter gostos e paixões, gozar de boa saúde e ser suscetível a ilusões, porque devemos a maior parte dos nossos prazeres à ilusão, e infeliz de quem a perde. Acredito também que só podemos ser felizes quando nos contentamos com a nossa situação, preocupando-nos mais com fazer com que esta seja mais prazerosa do que mudá-la. Um dos segredos da felicidade é amar as coisas que se possui e moderar os desejos.

Amar as coisas que possuímos é imprescindível, não é mesmo? 

Amar as coisas que possuímos, saber usufruir delas, saborear os privilégios, as vantagens de nossa condição, não contemplar demais os que nos parecem mais felizes e aproveitar a vida da melhor maneira possível, eis o que se deve chamar de felicidade. Para gozar de tal felicidade, é preciso curar-se ou prevenir-de de uma enfermidade que a ela se opõe, e que é bem comum: a ansiedade. Fora isso, creio que seja necessário desejar apenas o que se pode obter sem demasiado cuidado e trabalho.

Como assim, ter “gostos e paixões”? 

Só se é feliz com os gostos e paixões satisfeitos. Le Nôtre tinha muita razão em pedir para o Papa tentações em vez de indulgências. Devemos começar por nos convencer que nada temos a fazer no mundo a não ser nos proporcionar sensações e sentimentos agradáveis.

Outros filósofos diriam que as paixões, especialmente as desmedidas, fazem mais infelizes do que felizes.

Eu não disponho da balança necessária para pesar o bem e o mal que fizeram às pessoas, mas deve-se observar que os infelizes são conhecidos porque necessitam dos outros, pois lhes agrada narrar suas desventuras. As pessoas que são felizes nada buscam e não fazem questão de anunciar sua ventura aos outros. Os infelizes são bastante interessantes; já os felizes são desconhecidos. Eis por que quando dois amantes se reconciliam, quando seus ciúmes findam, quando os obstáculos que os separavam são superados, eles não são mais adequados para o teatro; acaba-se a peça para os espectadores.

Qual a importância da saúde?

Para poder satisfazer suas paixões, é necessário gozar de boa saúde, o maior dos bens. E trata-se de um bem que não é tão independente de nós quanto supomos. Como, de modo geral, todos nascemos saudáveis e feitos para durar um certo tempo, se não destruirmos a nossa compleição pela gula, pelas vigílias, enfim, pelos excessos, iremos viver até o que chamamos maturidade. Disso, excetuo as mortes violentas, que não se pode prever, e das quais, por conseguinte, é inútil ocupar-se… Quando existe a convicção de que, sem saúde, não se pode fruir de nenhum prazer e de nenhum bem, é simples resolver-se a sacrificar algo para conservá-la.

E quanto à ilusão? 

Por que razão eu rio mais do que ninguém no teatro de marionetes, senão porque eu me entrego mais do que qualquer outro à ilusão e, ao final de quinze minutos, acredito que é Polichinelo quem está falando? Alguém teria algum momento de prazer, durante uma apresentação teatral, se não se entregasse à ilusão, que o faz ver personagens que sabe estarem mortos há muito tempo falando em versos alexandrinos?

Entendo que é preciso ter paixões para ser feliz, mas creio que determinadas paixões não podem nos trazer nada além de infelicidade.

Por isso, são algumas as paixões às quais é preciso proibir a entrada em nossa alma.

Quais, por exemplo?

A ambição é uma delas, creio, porque de todas as paixões é aquela que mais faz com que a nossa felicidade dependa dos outros; ora, quanto menos nossa felicidade depende dos outros, mais nos é fácil ser feliz. Por essa razão de independência, o amor pelo estudo é, de todas as paixões, a que mais contribui para nossa felicidade.

A senhora acredita que, para sermos felizes, devemos concentrar-nos só no momento presente?

Se o presente fosse nosso único bem, nossos prazeres seriam bem mais limitados do que são. Somos felizes no momento presente, não somente por nossos prazeres atuais, mas também pelas nossas esperanças e pelas nossas reminiscências. O presente é enriquecido pelo passado e pelo futuro.

E o amor?

Eu disse que, quanto mais nossa felicidade depende de nós, mais é garantida; mas receio que a paixão que pode oferecer-nos os maiores prazeres e os tornar mais felizes, coloca-nos inteiramente na dependência dos outros. Talvez o amor seja a única paixão que pode nos fazer desejar e levar-nos a agradecer ao autor da natureza – seja quem for – por ter-nos concedido a existência.

Infelizmente, trata-se de um fenômeno bastante raro.

É razoável que tal felicidade seja rara; se fosse comum, seria preferível ser homem a ser um deus.

Mas, se o amor pode nos fazer infinitamente infeliz, não seria melhor evitá-lo?

Seria ridículo recusar-se a esse prazer pelo receio de uma desventura vindoura que talvez só sentiria após ter sido muito feliz, e então haveria compensação.

Algo a acrescentar?

Empenhemo-nos portanto em ter boa saúde, em não ter preconceitos, em ter paixões, em conservar preciosamente nossas ilusões, em ser virtuosos, em jamais nos arrepender, em afastar de nós as ideias tristes e em jamais permitir que nosso coração conserve uma única faísca de amor por alguém cujo gosto esteja diminuindo e que deixe de nos amar. Por fim, tratemos de cultivar o gosto pelo estudo, esse gosto que faz nossa felicidade só depender de nós mesmos. Evitemos a ambição, e, sobretudo, saibamos o que queremos ser; decidamos por qual caminho desejamos enveredar para passar nossa vida, e façamos o nosso melhor para semeá-lo de flores.

Ainda sem comentários.

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